Eu concordo, dá impressão que estamos perdendo nossos filhos.
17 de janeiro de 2013 às 03:30
17 de janeiro de 2013 às 19:05
17 de janeiro de 2013 às 20:17
19 de janeiro de 2013 às 20:22
Crónica de António Maria
"- Pai, eu tenho um namorado.
Pai, que ouve isso da filha mocinha, pela primeira vez,
sente uma dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo
roda sob seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha
namorado. A sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e
sem ternura. Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no
cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de
lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas.
Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e,
possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela chorará, porque o braço lhe doerá.
Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a
odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: "Gosto de você, mais que de
tudo, só de você." Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe
torceu o braço. Só de você é não dele, o pai. E pensará, o pai, que esse
porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha,
ficará tonta, com o estomâgo às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que
conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as
galolices sobre suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de
abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e
rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que
torça o bracinho da filha. Como é absurda e egoisticamente irracional amor de
pai! Mais que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem
evitar que todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber
que sua filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será
beijada na boca. Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o
nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse
filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano.
Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e
sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento,
sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela
repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas:
- Queira bem a ele, minha filha."
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